Desastre de um lado... providência divina de outro
01/08/2012 09:58:58



Situação Mundial

“Pessimista é aquele que acha que já se chegou ao pior. O otimista diz que tudo sempre pode piorar”, é o que diria Abel Aganbegyan (um dos economistas soviéticos idealizadores da perestroika) sobre a atual seca nos Estados Unidos. Apesar do exagero e dos motivos distintos, já há comparações desta seca com aquelas que assolaram o país na década de 1930 (decorrentes do fenômeno Dust Bowl), que devastaram a produção agrícola norte-americana por anos e levaram milhares à fome. Ainda é cedo para estimar os estragos de uma forma precisa, mas o fato é que as expectativas não são boas e, acredite, podem piorar. Segundo o último levantamento do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), de 29 de julho, relativo aos estragos provocados pela seca, 48 % das lavouras estavam em condições ruins/muito ruins. Mais de um terço dos condados americanos foram declarados áreas de desastre. Embora tenham surgido rumores sobre a possibilidade de chuvas, alguns meteorologistas dizem que a estiagem no Meio-Oeste do país pode permanecer no decorrer do mês de agosto. O grande problema é que a escassez de água se dá em um momento no qual a presença da mesma é fundamental para o bom desenvolvimento das lavouras.

No relatório do USDA sobre estimativas de oferta e demanda da agricultura, publicado no início de julho, a projeção para a próxima safra norte-americana de milho havia caído 46 milhões de toneladas em relação ao relatório de junho, mas fontes governamentais já esperam uma quebra de safra entre 100 e 120 milhões de toneladas. Uma produção de “apenas” 250 milhões de toneladas, somada às quebras de safra de outras culturas, seria catastrófica para a economia do país e, de quebra, para a mundial, levando a um aumento generalizado de preços. No que tange ao milho, os preços no mercado à vista já bateram em US$ 8,6 o bushel (US$ 338,57 por tonelada) e podem chegar a US$ 10 (US$ 393,68 por tonelada), segundo alguns analistas. Dois meses atrás, tais projeções seriam impensáveis, pois, com a expectativa de uma safra recorde, acreditava-se que os preços poderiam ficar abaixo de US$ 5,00 o bushel (US$ 196,84 por tonelada).

A alta dos preços do milho já tem levado à paralisação de usinas de etanol, levando o USDA a reduzir as estimativas de utilização do cereal para essa finalidade. O problema é que a redução do milho para essa finalidade tem um piso, pois as empresas de combustíveis precisam combinar 13 bilhões de galões de etanol à gasolina em 2012, como determinado pelo “Padrão de Energia Renovável-PER”, programa criado para adequação à Lei de Política Energética de 2005. Por causa da seca, conforme o Financial Times reportou no último dia 30 de julho, uma coalizão de produtores de carne bovina, suína, de frango e laticínios levaram petição formal à Agência de Proteção Ambiental (APA), que administra a questão do etanol e tem competência para se pronunciar sobre o assunto de renúncia, total ou parcial, do PER para os próximos 12 meses. A ideia é que a renúncia da necessidade de produção de tamanha quantidade de etanol aumentaria a disponibilidade de milho para outros fins, como produção de ração, e levaria a uma queda nos preços. Acontece que a APA já negou pedido similar ao estado do Texas, quando os preços dos grãos aumentaram consideravelmente em 2008, e a expectativa é que negue novamente.

A situação que estamos acompanhando se constitui em crise ou desastre para alguns, enquanto que, para outros, surge como oportunidade. No informe CIMilho intitulado “As oportunidades estão na mesa, mas a concorrência também”, discutiram-se os principais candidatos que podem preencher os espaços deixados pelo diminuição da participação dos EUA no comércio internacional de milho. Nesse sentido, a atual seca naquele país é uma grande oportunidade de angariar mercados. Três players merecem destaque nessa “disputa”: Argentina; Ucrânia; e Brasil.

A Argentina teve suas ambições frustradas na última safra de verão, cuja estiagem derrubou a produção em mais de 30 %. Como agora nos EUA, o país tinha expectativa de produzir uma safra recorde de milho, mas a seca levou a uma produção inferior à do ano anterior. Assim, a Argentina não possui excedentes para aproveitar o momento e o máximo que pode fazer é incentivar o aumento do plantio na próxima safra. A Ucrânia também passou por um período de estiagem recentemente, o que levou o país a reduzir em mais de 20 % as projeções relativas à produção total de grãos. Entretanto, ao contrário dos Estados Unidos, as lavouras de milho, a princípio, não foram prejudicadas. Apesar de poder passar incólume pela seca, a produção ucraniana de milho não deve ser muito superior à do ano anterior; assim, não haverá disponibilidade do grão para o país aproveitar a oportunidade. Os produtores de milho no Brasil podem ser considerados os grandes vencedores dessa "disputa": o país providencialmente colherá uma safra recorde do grão. Se, antes, havia motivo de apreensão sobre como escoar tamanha quantidade de milho, agora falta infraestrutura para tanta demanda de importação.



Situação Interna

No levantamento de safra do mês de julho realizado pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a produção brasileira de milho em 2011-2012 alcançará 69,5 milhões de toneladas. Número que poderá ser revisado para cima no levantamento de agosto, superando assim o patamar de 70 milhões de toneladas. A pergunta para a qual não havia resposta definitiva até junho era “o que fazer com o excedente de milho?”. Uma diferença superior a 12 milhões de toneladas em relação à safra anterior jamais seria absorvida internamente. Exportar seria a única solução. Mas como fazer isso, quando o maior produtor e exportador mundial projetava uma safra recorde de 376 milhões de toneladas? A resposta veio dos céus, com a maior seca que os Estados Unidos já presenciaram desde 1956. Como resultado, as projeções de baixa nos preços se transformaram em altas no transcorrer do mês de julho, em decorrência da demanda externa. Na Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&FBovespa), os contratos para setembro de 2012 fecharam no dia 2 julho a R$ 24,97, enquanto que no fechamento do dia 30 os mesmos já estavam em R$ 35,61, um aumento de 42,6 %. Nesse novo cenário, a expectativa é que o Brasil exporte até o final do ano 15 milhões de toneladas e só não embarcará mais milho para o exterior por dificuldades logísticas históricas relativas ao transporte, ao armazenamento e à infraestrutura portuária. Entretanto, mesmo a atual projeção de exportação deve se constituir em um grande desafio, pois, para atingir esse montante, há a necessidade de se exportar 2 milhões de toneladas por mês até o final do ano. Tal valor é superior ao recorde de milho embarcado em um único mês, 1,93 milhão de toneladas, registrado em setembro de 2010.

A concorrência com a demanda externa tem prejudicado o abastecimento interno, levando a uma pressão inflacionária. Nesse sentido, se internamente a escalada dos preços do milho é motivo de euforia para os produtores do grão, o mesmo não pode ser dito para as indústrias de carnes de aves e suínos. Esperava-se que a queda nos preços aliviaria os prejuízos desses setores. No momento atual, os preços do quilo recebido pelos produtores dessas indústrias não estão cobrindo os custos de produção. O milho responde por 60 % a 65 % dos custos de ração e é o principal insumo de produção das referidas indústrias de carne. Para piorar, a soja, que é o outro insumo das rações, já ultrapassou a casa dos R$ 70,00 a saca de 60 kg, reduzindo as alternativas dos produtores.

A princípio, não faltará milho no mercado interno. De uma safra projetada em 70 milhões de toneladas, 50 milhões destinam-se ao consumo interno, 15 milhões à exportação e sobrariam ainda 5 milhões para aumento dos estoques de passagem. O grande problema é a questão logística (novamente ela) do transporte de milho de regiões produtoras (situadas no Centro-Oeste e no Sul) para as regiões consumidoras (situadas no Sul, no Sudeste e no Nordeste), que encarece o frete. A expectativa é que o Governo Federal ajude a desatar esse nó, mediante a implantação de leilões de compra e venda de milho, o que deve ser realizado na primeira quinzena de agosto. Apesar da gravidade da alta de preços para a indústria de carnes na região Sul, a dificuldade lá não é a escassez de milho, mas a logística de escoamento e de retenção de estoques para a obtenção de preços melhores. A tendência é que essa situação se equilibre nos próximos meses e os preços caiam. O caso mais grave é o do Nordeste. A região, que já é uma importadora de milho, terá uma redução de 30 % em relação à safra passada (queda de 6,13 milhões de toneladas para 4,27 milhões). Os estoques de milho na região estão quase zerados e a solução para o problema não é trivial. "Quando o Ministério da Agricultura faz licitação para contratar transportadora para trazer o milho para cá, a licitação fica deserta. As transportadoras preferem levar o milho para exportação nos portos, de onde retornam com outros produtos", segundo Nelson Martins, titular da Secretaria de Desenvolvimento Agrário e presidente do Comitê de Combate à Seca. O problema de abastecimento nordestino é uma questão de segurança alimentar e precisa de uma resposta emergencial.

Por fim, ainda há grande incerteza sobre o que acontecerá na safra de milho nos Estados Unidos. Somente quando a situação lá se definir, é que se poderão avaliar os efeitos da seca e sua influência no futuro do mercado mundial do milho, que começará no plantio de verão do hemisfério Sul. Outro ponto de incerteza são os estoques de passagem, importantes para o balizamento dos preços internos da próxima safra. Após a solução dos problemas de abastecimento, se poderão dimensionar melhor os números finais.

Fonte: INDICADORES DE TENDÊNCIA CIMILHO (51), escrito por Rubens Augusto de Miranda e João Carlos Garcia, pesquisadores da área de economia agrícola da Embrapa Milho e Sorgo

 

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