INDICADORES DE TENDÊNCIA CIMILHO (53) / Logística: os velhos problemas de transporte
18/10/2012 10:13:12



Rubens Augusto de Miranda e João Carlos Garcia

Pesquisadores da área de economia agrícola da Embrapa Milho e Sorgo

“A vitória é a flor mais bonita, brilhante e colorida. Transporte é o caule sem o qual ela nunca teria desabrochado”. Tais palavras foram ditas por Winston Churchill após o desembarque bem sucedido de milhares de soldados na Normandia em 6 de junho de 1944, o chamado dia D. Ao longo da história, vitórias foram conquistadas, civilizações e países se desenvolveram somente após resolverem problemas logísticos, especialmente no que se refere ao transporte. Não é segredo algum que a logística tem sido um dos grandes entraves ao desenvolvimento brasileiro, mas o que torna esse conhecimento tão incômodo é o fato de estarmos convivendo com esses problemas há décadas. Em algumas áreas, o país sempre mostrou uma grande capacidade de se adaptar e conviver “pacificamente” com os seus problemas, talvez pensando que princípios darwinianos naturalmente fariam o Brasil emergir como grande potência. Todavia, o lugar de relativo destaque do país na “Nova Ordem Mundial”, de crise das nações desenvolvidas e crescimento dos países emergentes, pode nos levar a crer que tal política tem dado resultado, mas fica a sensação de que poderíamos estar muito melhor com a solução desses velhos problemas.

Sempre que o Brasil colhe uma safra recorde, os referidos problemas ficam mais aparentes, incomodam um pouco mais e a mídia dá uma atenção maior. O tempo passa e a cada nova safra os problemas persistem. Nesse sentido, no que tange à questão logística, a ocorrência de uma conjunção de fatores fez de 2012 um ano atípico, especialmente para o mercado de milho. A expectativa de recordes, tanto na safra dos Estados Unidos como na segunda safra de milho no Brasil, inicialmente provocou uma baixa nos preços do grão no decorrer dos meses de maio e junho. O quadro que se desenhava, com prejuízos e dificuldades de escoamento do milho no Centro-Oeste, foi revertido com a quebra de safra dos Estados Unidos. Assim, passou-se da abundância para a escassez de milho em algumas regiões no país, impactando diretamente a avicultura e a suinocultura, com a alta considerável dos seus principais insumos. Tal situação jogou novamente luz sobre a precariedade da logística de transporte no país.

A região Centro-Oeste produziu 25 milhões de toneladas de milho na segunda safra de 2012, um aumento de 87,7% em relação ao ano anterior. O estado do Mato Grosso foi o grande responsável por esse aumento, colhendo 15 milhões de toneladas, quantidade 107% superior à do ano anterior. Se já não bastasse o aumento dos preços de transporte que se esperaria pelo aumento de demanda para escoar essa produção, em 17 de junho passou a vigorar a Lei 12.169/2012, que regulamenta a profissão de motorista. A nova lei determina que o motorista profissional trabalhe no máximo dez horas diárias ao volante e descanse 30 minutos a cada quatro horas. O resultado dessa nova realidade dos transportes no Brasil fez com que, somente no mês de agosto, o frete de Sorriso (MT) para o Porto de Paranaguá (PR) subisse 19,5%. O valor de R$ 245,00 no início de setembro é 60% superior ao do respectivo período em 2011. A dificuldade da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) em contratar serviços de transporte dos seus estoques de milho no Centro-Oeste para as regiões Sul e Nordeste exemplifica um pouco o caos instalado no escoamento de grãos no Brasil, que gera escassez em momento de grande disponibilidade interna.

Dentre os grandes países produtores de milho, os custos de produção no Brasil na média são menores do que nos demais players, mas os gastos com transporte oneram consideravelmente o escoamento agrícola da grande região produtora, que é o Centro-Oeste. Há a expectativa de que, em poucos anos, a China se tornará o maior importador mundial de milho, superando o Japão, e comprará mais de 20 milhões de toneladas do grão por ano. Assim, comparar os custos de se transportar o milho é uma forma de analisar os países que têm melhores condições de suprir esse mercado.

Segundo estudo da CentroGrãos (Central de Comercialização de Grãos), da Federação de Agricultura e Pecuária do Estado de Mato Grosso, o custo de transporte de Santos para a China, U$45/t, é inferior ao observado em Rosário-Argentina para o mesmo destino, U$66/t, e de Nova Orleans-EUA também para a China, U$46/t, onde estão localizados portos de dois dos nossos maiores concorrentes. Sem considerar as dificuldades de armazenagem e as conhecidas filas de carregamento, um dos problemas do Brasil é levar grãos aos portos. Esse mesmo estudo ressalta que o transporte de milho de Sorriso-MT para Santos-SP fica em U$130/t, enquanto que o transporte da grande região produtora de Córdoba para Rosário, na Argentina, não sai por mais de U$36/t, apesar de também ser feito por via rodoviária. Os custos de transporte nos Estados Unidos, que possuem dimensões continentais como o Brasil, são ainda menores. O trajeto Illinois-Nova Orleans é feito por via hidroviária ao custo de apenas U$25/t. Ao contrário do Brasil e da Argentina, que utilizam a rodovia como principal matriz de transporte, nos Estados Unidos o transporte de carga é feito basicamente por hidrovia, 60% do total, e ferrovia, 35% do total. Por ser um país menor, a Argentina sofre menos com os altos custos rodoviários quando comparado com o Brasil, mas a questão é que esses dois países usam modais inadequados para o transporte de grãos. Segundo a CNT (Confederação Nacional do Transportes), no Brasil, o segmento rodoviário é responsável por 61,1% da carga transportada, tendo como agravante o nosso baixo percentual de estradas pavimentadas. Apenas 260 mil quilômetros de rodovias são pavimentadas, frente a um universo de 1,6 milhão quilômetros de estradas. Esse percentual de pavimentação chega ser quatro a cinco vezes menor do que o observado nas outras potências emergentes do chamado BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China).

Iniciativas - Para mudar esse quadro, o governo brasileiro vem mostrando interesse de investir em novos sistemas de logística, como hidrovias. Para tanto, ressuscitou um plano da década de 1990, a hidrovia Tapajós-Teles Pires, que permitirá escoar a produção de grãos do Mato Grosso para o mar aberto pelos portos de Santarém e de Itaituba, ambos no Pará. O Ministério dos Transportes coloca como prioridade a instalação de eclusas (mecanismos para transposição de níveis dos rios) que permitam a navegação de carga na hidrovia e, em maio de 2012, sinalizou que disponibilizaria R$2 bilhões para a construção de quatro. Segundo a Aprosoja (Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso), com a hidrovia, o custo de transporte da tonelada de grãos cairia de R$227 para R$60. A queda acentuada nos custos de transporte permitiria uma economia anual no patamar de R$2 bilhões. Há quem diga que essa hidrovia faria com que os rios Teles Pires e Tapajós adquirissem a mesma importância que o Mississipi tem para os Estados Unidos.

Devido à importância e o potencial de impacto econômico, é de se estranhar que o projeto da hidrovia Tapajós-Teles Pires nunca tenha saído do papel. Na verdade, o projeto nunca chegou ao papel, pois somente em setembro de 2012 ocorreria a licitação para o estudo de viabilidade econômica, que faria as projeções dos gastos da obra. Ou seja, apesar de já haver estimativas sobre a economia que a hidrovia proporcionará, ainda não se sabe quanto a mesma custará. Infelizmente, a licitação ainda não ocorreu, pois foi adiada a pedido do Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes). Apesar do referido Departamento não ter se pronunciado sobre as razões do pedido de adiamento, fontes indicam que o custo de R$14 milhões previsto para o projeto foi considerado baixo pelos interessados em concorrer na licitação. A inexistência de um projeto não é o único entrave à construção da hidrovia, pois há uma série de outros conflitos, como proibições judiciais para estudos e até complicações pelo fato de que parte do trecho passa por uma reserva indígena. Além disso, têm ocorrido alguns desentendimentos entre o setor de energia e o Ministério dos Transportes no que tange ao aproveitamento hidroelétrico em vários pontos da futura hidrovia. O problema é que a adequação das usinas hidroelétricas ao projeto de hidrovia pode atrasar o cronograma já existente no Plano Nacional de Energia 2030, o que é mais um nó para o governo desatar.

Outra importante via potencial de escoamento dos grãos do Centro-Oeste é a Ferrovia Norte-Sul. Quando concluída, passará pelos estados do Pará, Maranhão, Tocantins, Goiás, Minas Gerais, São Paulo e Mato Grosso do Sul, alcançando quase 2.000 km de extensão. O início das obras da ferrovia data de 1987 e ainda não há previsão de término (embora já tenha chegado ao estado de Goiás), algo inadmissível para empreendimento tão importante para o desenvolvimento do país. O fato de estar parcialmente construída não implica em que ela esteja sendo usada em seu potencial, mesmo nos trechos já terminados. Uma série de obras nas vias secundárias de alimentação de cargas e de infraestrutura de embarque a granel ainda é necessária. Felizmente, as obras foram impulsionadas com a concessão da ferrovia à Vale em 2007. A Vale Logística (VLi), criada em 2011, tem utilizado a infraestrutura da Ferrovia Norte-Sul e da Estrada de Ferro Carajás, que se cruzam em Açailândia (MA), para escoar não apenas minério de ferro, mas também grãos até o Porto de Itaqui, em São Luís do Maranhão. A intenção da empresa é, pelo menos, dobrar o escoamento de grãos pela sua malha ferroviária, que até recentemente ficava na casa de 50 mil toneladas por mês.

O setor privado tem adquirido consciência de que também precisa participar mais ativamente no entendimento e na solução de problemas. Pensando nisso, entidades dos setores agropecuário, industrial, comercial e da sociedade civil organizada de Mato Grosso criaram o Movimento Pró-Logística em 2009, que objetiva realizar estudos e acompanhar investimentos que possibilitem solucionar os problemas logísticos do estado. Uma das primeiras ações do movimento foi eleger a Hidrovia Teles Pires–Tapajós, a Ferrovia Centro-Oeste, as BRs 163, 242 e 158 como projetos de máxima importância. Em 2012, o estudo intitulado "Corredores Estaduais do Agronegócio" elegeu 120 trechos de rodovias estaduais que são fundamentais para o escoamento da produção de grão dos estados, dos quais 21 foram indicados para os investimentos imediatos, que necessitariam de um aporte de R$82 milhões do governo do estado.

A maior parte da movimentação que vem sendo feita para melhorias logísticas tem como foco o escoamento da produção para exportação. Entretanto, não se pode esquecer o desabastecimento interno recorrente em algumas regiões do país. O Nordeste, que é sistematicamente deficitário na produção e no consumo de milho, tem recebido pouca atenção nos projetos de logística de transporte. Demandam-se melhorias na hidrovia do São Francisco, que pode transportar milho para Pernambuco (grande consumidor), e na BR-020, via de escoamento da produção de milho de Goiás para o Ceará e que possui trechos nãos asfaltados.

Iniciativas como o Movimento Pró-Logística são importantes não apenas por auxiliarem o governo no direcionamento dos seus investimentos, como também por criarem um movimento de pressão para que as obras sejam feitas e não tenhamos que conviver décadas com a presença indesejável dos referidos problemas. Muito se fala do potencial brasileiro para se tornar o celeiro do mundo. Mas do que adianta produzir se não temos como transportar a produção? A super safra de grãos 2012 está aí para nos dar uma lição; resta saber o que aprenderemos da mesma.

Fonte: Boletim Informativo do Centro de Inteligência do Milho - Ano 5 - Edição 53 - Outubro de 2012

 

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