Perspectivas para o campo são boas, mas há perigos na curva
21/12/2006 09:15:26



Muito já se falou sobre as melhores perspectivas para o agronegócio brasileiro em 2007, e projeções traçadas por economistas, analistas e empresas alimentam a expectativa positiva. Mas isso não significa, necessariamente, um ano sem sobressaltos. Há perigos na curva, tanto para os produtos vegetais quanto para os animais, e da habilidade em driblar essas armadilhas dependerá a recuperação do setor - que, apesar da boa performance de alguns segmentos, encerrará 2006 com resultados em larga medida decepcionantes.

A começar pela renda agrícola, que trata da receita das fazendas, "da porteira para dentro". Neste ano, segundo José Garcia Gasques, coordenador de planejamento estratégico do Ministério da Agricultura, as 20 principais lavouras do país vão acumular receita de R$ 97,710 bilhões, 1,9% menos que em 2005 (R$ 99,560 bilhões) e 17,6% abaixo do recorde de 2003 (R$ 118,647 bilhões). Em suas contas, Gasques ressalta o distinto comportamento das duas principais culturas do ano.

Enquanto a renda da soja, prejudicada por uma crise de liquidez e renda que se arrasta desde o fim de 2004 - mas ainda assim o carro-chefe do setor - foi de R$ 22,025 bilhões, R$ 3,606 bilhões menos que em 2005, a da cana, estrela ascendente por conta da febre do etanol, chegou a R$ 17,571 bilhões, R$ 3,698 bilhões a mais na mesma comparação. Para 2007, o coordenador prevê receita maior nos dois casos: R$ 23,015 bilhões para a soja e R$ 20,196 bilhões para a cana.

Boas notícias, que outros cálculos tornam ainda mais animadoras. Fábio Silveira, da RC Consultores, que apontou queda de R$ 6,5 bilhões na receita agrícola da soja em 2006, para R$ 20,6 bilhões, agora prevê aumento de R$ 3,9 bilhões em 2007, sobretudo por conta da recente recuperação das cotações internacionais do grão, a reboque da alta do milho - esta puxada pela crescente demanda americana para a produção de etanol. Para a cana, Silveira apurou aumento de R$ 4,4 bilhões em 2006, para R$ 18,8 bilhões, e estima incremento de R$ 600 milhões no ano que vem.

Entre outras lavouras com destaque no país, Gasques prevê em 2007 quedas nas rendas de algodão, arroz, feijão, fumo, laranja (destaque positivo em 2006) e mandioca. Em contrapartida, estima aumentos para banana, milho e trigo. Fábio Silveira, por sua vez, vislumbra dias melhores para arroz, feijão - produtos básicos com demanda em alta neste ano graças à queda de preços e ao Bolsa Família -, milho, trigo e fumo, e piores para café e laranja.

Se há divergências entre as previsões do ministério e da RC - e entre cenários traçados por outras fontes, como normalmente acontece quando se trata de commodities -, é o fato de praticamente todas as visões apontarem para melhorias nos principais produtos agrícolas (soja e cana), e também para as carnes, que torna o horizonte mais promissor para o campo em 2007.

"O comportamento da economia mundial fortalece essa tendência", diz Alexandre Mendonça de Barros, coordenador de pesquisa do GV Agro, centro de excelência voltado ao desenvolvimento do agronegócio brasileiro liderado pelo ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues. Ele lembra que as estimativas apontam para um crescimento econômico global da ordem de 4% em 2007, e que o risco de qualquer brusca desaceleração vem sendo afastado pelas previsões de avanço entre 2,6% e 2,8% para os Estados Unidos, onde as taxas de juros pararam de subir e já começaram inclusive a recuar.

Mas, se por este ângulo o futuro americano é um alento, alguns dos principais riscos para o agronegócio brasileiro no ano que vem também estão vinculados à principal locomotiva da economia mundial. Mais especificamente ao etanol, combustível que em 2006 ganhou status e hoje é considerado vital para impulsionar essa locomotiva. Como o etanol americano é produzido a partir do milho, sua influência no mercado internacional de grãos tem sido brutal - e, é bom lembrar, o Brasil, com seu álcool feito a partir da cana, é o segundo maior fabricante (perde só para os EUA) e maior exportador do combustível do mundo.

Foi a "febre" americana em torno do etanol que começou a puxar as cotações internacionais do milho neste segundo semestre, abrindo espaço para o grão brasileiro no exterior - já há contratos de exportação com entrega prevista no início de 2008, fato até então inédito - e puxando os preços da soja, produto que tem o Brasil como segundo exportador mundial. Mas a febre está atrelada as oscilações das cotações do petróleo, e essas cederam nos últimos meses, o que pode interferir no ritmo de sua adoção nos EUA, pressionando mercados que até agora foram beneficiados.

"E isso pode influenciar não só os grãos e o próprio etanol, mas também o açúcar. Se os EUA reduzirem o ritmo de aumento do uso de etanol, a oferta brasileira de açúcar, por exemplo, pode ser maior que a esperada", observa Mendonça de Barros. Hoje, contudo, bilhões de dólares em investimentos para a produção de etanol, nos EUA e no Brasil, seguem em velocidade acelerada. Só no Brasil pelo menos US$ 5 bilhões já estão sendo aplicados dezenas de novas usinas sucroalcooleiras.

Como destaca o analista Paulo Molinari, da Safras&Mercado, o fator etanol também tende a deixar o mercado de milho mais "nervoso" que o normal em 2007 - pelo menos no primeiro semestre, quando as pesquisas de intenção de plantio nos EUA dão o tom dos preços internacionais. E essa maior volatilidade tende a contaminar também a soja, o que, para os produtores brasileiros, exigirá uma boa estratégia de comercialização da safra.

Nesse contexto, ganham fôlego as advertências já feitas pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) de que a crise de liquidez e renda dos grãos ainda não chegou ao fim. Isso porque, devido às turbulências - originadas em 2004 por queda de preços, câmbio desfavorável e problemas climáticos -, muitas das dívidas roladas em 2006 (com custo total da ordem de R$ 20 bilhões para o Tesouro) ficaram para 2007, e muitos produtores terão dificuldades em adequar suas receitas, ainda que maiores, para cumprir seus compromissos.

Mas, enquanto os riscos não se concretizam, as projeções seguem mudando para melhor. Embalada pela expectativa de aumento da produção de soja nesta safra 2006/07 e pela recuperação da oferta dos derivados do grão, a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) estima para o ano que vem receita recorde para as exportações do complexo soja (grão, farelo e óleo), de US$ 10,058 bilhões, 9,4% mais que o total previsto para 2006.

Para o acumulado deste ano, a CNA estima que as exportações totais do agronegócio somarão US$ 49,5 bilhões, e que o superávit do setor será de US$ 43 bilhões - mais de 10% de aumento em relação a 2005 nos dois casos.

A CNA concorda que a tendência de recuperação de preços pode resultar em alta das exportações do complexo soja e ratifica o cenário positivo para que o álcool ganhe peso na balança comercial. Além disso, são melhores as perspectivas para as carnes, que em 2006, ainda que os embarques tenham crescido, foram afetadas por crises sanitárias internas e globais, que podem ocorrer novamente. No front doméstico, o problema envolveu as carnes bovina e suína, cujos embarques foram limitados por dezenas de importadores após a descoberta de casos de aftosa em bovinos no Mato Grosso do Sul e no Paraná, no fim de 2005; no externo, foi o menor consumo mundial de carnes de aves depois da disseminação da gripe aviária em diversos países que incomodou.

Com isso, é de esperar que o PIB do campo retome o caminho do crescimento em 2007. Em 2006, segundo a CNA, o PIB da pecuária caiu 4,38%, para R$ 64,87 bilhões, o da agricultura recuou 2,05%, para R$ 83,45 bilhões - o da agropecuária, portanto, diminuiu 3,08%, para R$ 148,32 bilhões -, e o do agronegócio como um todo emagreceu 0,53% e ficou em R$ 534,77 bilhões. Para representantes da cadeia produtiva em geral, é pouco para um país invejado no mundo pela eficiência na produção e exportação das principais commodities agrícolas transacionadas no mundo.

Fonte: Valor on-line, 21 de dezembro

 

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